A MINHA “IDENTIDADE MOITEIRA...”
Nasci mesmo cá e em casa a 6 de Outubro de 1951, perto da passagem de nível que existia no caminho de Palmela.
A minha mãe ao parir-me teve logo a abençoada ajuda da prima Mariana que habitava lá bem perto, mais velha e com a experiência de já ter parido por três vezes. Foi assim uma benção, pois consta que nem Deus ou Anjo da Guarda apareceram, porém isto ainda é coisa que me parece mal contada: o meu avô era torcido de feitio e distante do divino, o meu pai embora de bom trato, também não era de tais fezadas, logo um cenário duvidoso, em que ainda hoje não tenho por certo se foi Deus que não apareceu, ou se eles o impediram de entrar.
Acontece que me contaram, que logo a seguir aos meus primeiros berros de vida, o Comboio apitou três vezes (*) coincidência que levou ao riso dos presentes, sinalizando assim um bom presságio.E assim nasci cá na Moita, e cá fiquei registado. Hoje reparo que podia ter nascido em qualquer lado como tantos outros que nasceram naquele dia por esse mundo fora, no meu caso até com a vantagem, não ficar apegado logo à nascença a qualquer religião ou tradição.
É talvez por isto que na minha estrutura de pensamento, os conceitos de identidade e toda a imagética que os envolve e sustenta, enfrentam um tal labirinto que não encontram espaço que os acolha.
Atesto esta certeza pelo percurso de anos, basta a descrição de alguns factos: em puto cheguei a ir à missa e até fui Lobito; num 1ºde Dezembro o padre e o professor Guerreiro, puseram-me com a malta a cantar “lá vamos cantando e rindo...”; recordo que ainda fui a uma lição da Catequese, de tal modo que ainda hoje sei que o Credo se reza a meio da Missa.
Meu pai nunca disse nada e a minha mãe que era crente, que só não acreditava em bruxas porque ele não deixava, escondeu o meu percurso até ao dia de uma quaresma em que a Professora mobilizada pelo Padre, apareceu lá em casa para o convencer a que eu fosse batizado. Deu-se a bronca, meu Pai não autorizou, porém não me proibiu de ir à Igreja, quem me impediu de lá entrar foi o Padre, logo num Domingo à tarde quando estava na fila para ir ver o “Ti Pica” (cinema).
Alto e bem nutrido, de batina preta, com cara de assustar e gesto violento afastou-me da fila. Na altura fiquei com medo e vergonha, sem saber como disfarçar aquele injusto enxovalho... foi o Satanás que me apareceu... andei alguns dias triste e com medo de contar a alguém, pois por outras conversas que ouvira receei que fizessem algum mal ao meu Pai. Naquele tempo sabia lá eu que a Stª Madre Igreja se casara com Salazar.
Deste modo ao libertar-me da religião e assim aprendendo não precisar do divino para nada, sem sequer perceber fui ao longo dos anos ficando impermeável a muitas tradições, até gostando de futebol, não sou adepto de qualquer clube. Até fui um entusiasta da tauromaquia, gosto que cedo também se desvaneceu. Factos estes que me limitam a encontrar a minha identidade moiteira, aquela mística que por aí religiosamente divulgam.
Em maior dimensão, é o facto de hoje ao ler sobre o processo histórico da humanidade, e assim os mecanismos que rodeiam as noções de nacionalidade e de pátria - o sentimento pessoal e cultural de pertencer a uma nação já me passa ao lado, não é gerador de entusiasmo. Por exemplo, a minha disponibilidade para a luta sindical, poderia ter servido em qualquer parte do Mundo, quer nas matizadas ditaduras, ou nestas democracias que os bancos criaram e manipulam.
Acresce ainda que por catálogos e gravuras tirei parecenças com Cartagineses, acreditem que penso mesmo ser descendente de refugiados da III Guerra Púnica de há 2169 anos, que numa jangada de papiro aportaram onde hoje é o Algarve.
Reconfirmando deste modo, ser um cidadão nascido neste Planeta, logo não patriota, mas mesmo assim, mais que o actual Presidente da República Portuguesa, homem de tropa aliviada e que nunca bateu com os costados na Guerra Colonial.
No C.C. estou identificado como português, e porque nasci na Moita sou Moitense, mas essa da fervorosa e religiosa Identidade Cultural Moiteira...
(*)o Comboio das 6:35 h para o Barreiro, apitou duas vezes antes da passagem de nível e uma antes da estação da Moita, eu tinha nascido às 6.30 h. Apitou mesmo três vezes.
Sem comentários:
Enviar um comentário